Ao longo do tempo tenho vindo a refletir bastante sobre os papéis de género e o seu impacto aos mais variados níveis. Desde do seu reflexo na organização do dia-a-dia de um casal, aos reflexos a nível corporativo e até mesmo ao nível intrapsíquico. Os papéis que cada um de nós assume na nossa vida acabam por servir de bússola orientadora para comportamentos, atitudes e até mesmo pensamentos. Hoje, numa nova era tecnológica e social, homens e mulheres desempenham papéis que há uns anos seriam vistos como desadequados ou impróprios tendo em conta que não seria “coisa de homem/mulher”.
Com as alterações ao nível dos papéis de género surgiram consequências ao nível das expectativas que temos acerca dos comportamentos de cada um. É como se quiséssemos igualdade a todos os níveis, mas no fundo esperássemos de acordo com o estereótipo.
A consequência da vida moderna na sexualidade do casal
Ao nível sexual estas expectativas têm se revelado geradoras de ansiedade de desempenho, sentimentos de inadequação, que posteriormente acarretam inúmeras problemáticas ao nível do sistema conjugal e pessoal. Desde baixa auto-estima e sentimento de pouca desejabilidade, ansiedade associada à performance, normalização do pouco desejo feminimo e dramatização acerca da falta de desejo masculino, todas estas questões devem ser faladas no sentido de normalizar estes novos fenómenos inerentes às mudanças nas relações amorosas e da forma como isso se reflete na relação e desejo sexual no casal.
O desempenho sexual associa-se à identidade e auto-estima masculina. Para quem sente dificuldades, desde a ejaculação precoce, à disfunção eretil, à falta de desejo sexual, quase inevitavelmente sentir-se-à menos homem.
A ansiedade relacionada com o desempenho sexual tem assombrado cada vez mais o homem do século XXI. A expetativa de que tem de ser dominante, carinhoso e “está sempre pronto”, coloca sobre aqueles que não se sentem de facto sempre com “o desejo em alta” uma pressão enorme para cumprirem a função de forma competente. Pelo contrário, uma mulher que não sinta desejo por parte do seu companheiro sente-se, quase inevitavelmente, pouco desejada, diminuindo a sua auto-estima e afastando-se mutuamente, ela para não sei rejeitada e ele para não se confrontar com a sua falta de desejo ou desempenho frustrado.
Artigo exclusivo para a Saber Viver
A falta de desejo na sexualidade do casal nem sempre está associada à falta de amor ou ao facto do outro já não nos atrair. Por vezes é muito mais individual que isso, residindo na falta de confiança, em crenças limitadoras, entre outros aspectos da personalidade de cada elemento do casal, contudo, quando é vivido apenas nessa esfera pessoal, e não é conversado em casal, torna-se um factor de afastamento e possível ruptura.
O que fazer para melhorar a comunicação na relação?
É fundamental que o casal comunique sobre a sua relação, sobre aquilo que cada um sente, sobre o estilo de vida que estão a levar e que pode estar a contribuir para esse afastamento e /ou desinvestimento sexual, pois muitas vezes a insegurança e insatisfação é mutua e a falta de compreensão sobre o assunto de parte a parte gera uma manutenção de uma situação indesejável para ambos.
A consciencialização de que a falta de desejo ou inexistência de relações entre o casal é apenas um sintoma, torna premente a importância da discussão destas temáticas dentro da relação conjugal, pois só assim poderão ser ultrapassados os obstáculos e construídos novos padrões relacionais, mais satisfatórios individualmente e ao nível da relação.
"Mas eu comunico com a minha companheiro/o meu companheiro e mesmo assim não conseguimos ultrapassar as nossas dificuldades sexuais/relacionais."
Esta questão é curiosa. Há uns anos, no âmbito da investigação que realizei para minha tese de mestrado, entrevistei jovens casais coabitantes há no máximo um ano. O meu objetivo foi compreender quais as temáticas que considerariam importantes a abordar num eventual programa de preparação para o casamento (sem vinculação religiosa) e, curiosamente, todos concordavam que a comunicação seria um tema essencial.
De facto todos estamos continuamente a comunicar verbal e não verbalmente e essa informação que enviamos e recebemos tem impacto no casal. É para todos nós inevitável comunicar, contudo, também nos é natural desenvolver padrões de comunicação, mesmo disfuncionais, sem tomarmos consciência se estamos a transmitir o que queremos, como queremos, para a finalidade que desejamos. E, surpresa das surpresas, todos sabemos conscientemente a importância desta temática, mas pouco sabemos acerca de como alterar os nossos padrões comunicacionais e os casais sentem isto na pele diariamente.
Não será então de estranhar que por vezes nos sintamos estagnados em relacionamentos sem saber para onde avançar ou como avançar. Porque não nos sentimos ouvidos, compreendidos, porque não conseguimos transmitir aquilo que sentimos, etc. E todos estes bloqueios ou obstáculos têm também impacto numa relação sexual satisfatória.
Muitas vezes, o trabalho terapêutico passa por tomar consciência dos padrões de comunicação que temos, curar os canais de comunicação que muitas vezes se tornam viciados apesar de insatisfatórios e desenvolver novas estratégias, mais funcionais, para transmitir as mensagens pretendidas. No fundo, pedir ajuda para sermos melhores enquanto pessoas e companheiros não deve ser vergonha mas o reconhecimento de que trazemos bagagens diferentes e todos nós temos pedaços por resolver no sentido de alcançarmos finalmente a pessoa que desejamos ser.
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